A Psicanálise e a Conquista Espacial: Entre o Desejo e a Alienação
Por Marcelo Paschoal Pizzut
No dia 16 de março de 2025, a cápsula Crew Dragon da SpaceX acoplou-se com sucesso à Estação Espacial Internacional (ISS), possibilitando o retorno dos astronautas Barry “Butch” Wilmore e Sunita “Suni” Williams, que permaneceram por mais de nove meses na estação devido a falhas técnicas na cápsula Starliner da Boeing. Sob a ótica da psicanálise, esse evento nos convida a refletir sobre os desejos inconscientes, a busca humana pelo desconhecido e os impasses tecnológicos como manifestações do desejo e da angústia.
Sigmund Freud já apontava que o homem é impulsionado por um desejo incessante, muitas vezes disfarçado sob a forma do progresso científico. A conquista do espaço pode ser interpretada como uma expressão do impulso humano de superação dos limites, uma tentativa de dominar o incontrolável e transcender a condição terrena. No entanto, essa busca pelo além pode também esconder um recalque fundamental: a dificuldade de lidar com o próprio Real. O espaço, nesse sentido, funciona como um grande objeto de desejo, ao mesmo tempo fascinante e ameaçador, representando tanto a promessa de conquista quanto o abismo do desconhecido.
Jacques Lacan, por sua vez, nos ensina que o sujeito é estruturado pela falta, pelo desejo de preencher aquilo que lhe escapa. A corrida espacial contemporânea, encabeçada por corporações privadas como a SpaceX e a Boeing, pode ser vista como uma tentativa de preenchimento dessa falta por meio da tecnologia. No entanto, o atraso no retorno dos astronautas devido a problemas técnicos revela a frágil ilusão de controle que a ciência promete. O Real, sempre irrompendo, nos lembra que há limites para a onipotência humana, e que a tecnologia, por mais avançada que seja, não pode eliminar completamente o imponderável.
Outro ponto relevante para a psicanálise é a questão da alienação. A exploração espacial, antes um projeto eminentemente estatal e coletivo, tornou-se um campo dominado por interesses privados. Nesse sentido, pode-se questionar se a busca pelo espaço ainda carrega o ideal do conhecimento e da ampliação dos horizontes humanos ou se foi reduzida a um grande empreendimento mercadológico, onde a ciência serve a interesses financeiros e políticos. A substituição da agência governamental pela corporação privada reconfigura o papel do sujeito na história, tornando-o mais um espectador passivo das conquistas tecnológicas, sem a participação ativa no seu significado e impacto.
Além disso, a condição dos astronautas que permaneceram na estação por nove meses devido a falhas técnicas evoca outra questão psicanalítica: o isolamento e suas repercussões no psiquismo. A experiência do confinamento prolongado em um ambiente extremo pode ser comparada às condições de angústia e solidão que o sujeito contemporâneo experimenta na sociedade. A suspensão no espaço reflete, de maneira simbólica, a sensação de desamparo fundamental que marca a condição humana, amplificada pela dependência da tecnologia para garantir a própria sobrevivência.
Portanto, a acoplagem da Crew Dragon e o retorno dos astronautas não são apenas eventos científicos, mas símbolos de uma dinâmica psíquica mais profunda. A psicanálise nos ensina que, por trás de cada conquista, há sempre um desejo, um recalque e um impasse que revelam a estrutura inconsciente do sujeito e da civilização. O espaço, longe de ser apenas um novo território a ser explorado, continua sendo um espelho do desejo humano e de suas contradições.
Deixe um comentário