Distinção entre atração e amor – Filosofia e Psicanálise

A distinção entre atração e amor é um tema amplamente estudado na psicologia e nas neurociências, sendo crucial para compreender as dinâmicas das relações humanas. Embora ambos os fenômenos possam coexistir em um relacionamento, eles representam processos psicológicos e biológicos distintos.

A atração é geralmente caracterizada como um impulso inicial, fortemente associado a reações bioquímicas no cérebro, particularmente envolvendo a dopamina, um neurotransmissor relacionado ao prazer e à recompensa. Esse processo é muitas vezes instintivo e imediato, desencadeado por fatores como aparência física, compatibilidade genética e sinais de saúde reprodutiva. Em termos evolutivos, a atração serve como um mecanismo para aproximar indivíduos e potencializar a reprodução. No entanto, a atração é tipicamente transitória, muitas vezes baseada em características superficiais ou momentâneas, e pode ser influenciada por fatores contextuais e temporários.

O amor, por outro lado, é um fenômeno mais complexo e profundo, associado a laços emocionais e psicológicos duradouros. O amor romântico envolve não apenas a atração física, mas também o afeto, o cuidado, o compromisso e a intimidade. Estudos sugerem que hormônios como a oxitocina e a vasopressina desempenham um papel central no desenvolvimento de laços emocionais profundos, promovendo sentimentos de apego e confiança entre os parceiros. O amor, diferentemente da atração, tende a se desenvolver ao longo do tempo e requer uma interação mais ampla de fatores emocionais, psicológicos e sociais.

Portanto, enquanto a atração pode ser vista como um impulso biológico inicial que pode ou não evoluir, o amor implica em uma conexão emocional e psicológica mais profunda, com componentes de cuidado e reciprocidade. Entender essa diferença é fundamental para reconhecer que nem toda atração resulta em amor, e que amor verdadeiro exige tempo, compromisso e empatia além da mera atração inicial.

A filosofia e a psicanálise abordam o amor e a atração de maneiras distintas, mas ambas as disciplinas concordam que esses conceitos envolvem camadas complexas de desejo, subjetividade e relações humanas.

Filosofia

Para muitos filósofos, o amor e a atração não são fenômenos meramente biológicos, mas estados que envolvem o intelecto, a ética e a transcendência do eu. Platão, por exemplo, em seu famoso diálogo O Banquete, propôs a ideia de que o amor (Eros) é uma força que começa com a atração física, mas pode evoluir para uma apreciação do belo em si e culminar na busca pelo conhecimento e pela verdade. Segundo Platão, o amor começa com a atração pelos corpos, mas deve transcender essa fase para se tornar uma forma mais pura de amor, voltada para o intelecto e a alma.

No pensamento contemporâneo, Jean-Paul Sartre descreve o amor de forma existencialista, como uma tentativa de reconciliar a liberdade do outro com a necessidade de possuí-lo. Para Sartre, a atração pode ser uma forma de querer capturar a liberdade alheia, enquanto o amor, no seu estado mais genuíno, é um conflito entre a necessidade de se conectar e a realidade da individualidade e autonomia do outro. Sartre vê o amor como uma tensão constante entre desejo e liberdade, que muitas vezes leva à frustração.

Emmanuel Levinas considera o amor como uma relação ética com o outro, onde o verdadeiro amor transcende o desejo de possuir ou compreender, e implica uma abertura radical à alteridade. Para Levinas, a atração pode ser vista como uma resposta inicial ao outro, mas o amor, em seu conceito filosófico, envolve uma responsabilidade incondicional em relação ao outro, que vai além do desejo de satisfação pessoal.

Psicanálise

A psicanálise, principalmente através dos trabalhos de Sigmund Freud e seus sucessores, aborda o amor e a atração a partir de uma perspectiva profundamente ligada ao inconsciente e aos impulsos primitivos. Freud teorizou que a atração sexual, ou libido, é a base do comportamento humano, influenciando não só os relacionamentos românticos, mas também nossas interações sociais e culturais. Para Freud, a atração sexual é uma expressão dos desejos inconscientes reprimidos e das pulsões do id, enquanto o amor pode representar um movimento mais complexo de sublimação dessas pulsões, buscando formas de satisfação que respeitam as normas sociais e a estabilidade psíquica.

Freud também diferenciava entre o “amor de objeto” e o “amor narcisista”. O “amor de objeto” envolve a escolha de um parceiro que preenche os desejos e as necessidades emocionais, enquanto o “amor narcisista” reflete uma forma de amar a si mesmo através do outro. Segundo Freud, a atração pode ser tanto uma forma de projetar o desejo do id quanto uma tentativa de restaurar um estado perdido de completude.

Jacques Lacan, psicanalista francês, reformulou as ideias de Freud e introduziu a noção de que o amor é uma “dádiva de algo que não se tem”. Ele sugeriu que o desejo (que se manifesta na atração) está sempre relacionado à falta e à tentativa de preencher um vazio interno. Para Lacan, o amor envolve a fantasia de que o outro pode preencher essa lacuna, mas, ao mesmo tempo, a verdadeira natureza do desejo nunca pode ser completamente satisfeita.

Em resumo, tanto a filosofia quanto a psicanálise reconhecem que a atração tende a ser impulsiva e momentânea, enquanto o amor envolve processos mais profundos de conexão, projeção e transcendência. Se a atração, para muitos, pode ser entendida como um primeiro passo movido pelo desejo, o amor, em ambos os campos, é visto como algo que vai além do mero desejo físico, englobando a busca por sentido, ética e, muitas vezes, a tentativa de lidar com a complexidade do ser e do outro.

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