Transtorno de Personalidade Borderline no Canadá

Avaliação e Gestão do Pedido de Assistência Médica à Morte em Pacientes com Transtorno de Personalidade Borderline

Avaliação e Gestão do Pedido de Assistência Médica à Morte em Pacientes com Transtorno de Personalidade Borderline: Uma Análise Científica

O que é Assistência Médica à Morte (MAiD)? MAiD é um procedimento legal em alguns países, como o Canadá, que permite a pacientes com condições graves solicitar assistência para encerrar suas vidas de forma digna. Este artigo explora os desafios de aplicar isso a pessoas com Transtorno de Personalidade Borderline (TPB).

Resumo: O presente artigo examina os desafios clínicos e éticos associados à avaliação de pedidos de Assistência Médica à Morte (MAiD) em pacientes diagnosticados com Transtorno de Personalidade Borderline (TPB) no contexto canadense. Com a iminente expansão da elegibilidade da MAiD para incluir condições psiquiátricas em 2027, torna-se imperativo estabelecer protocolos robustos para determinar a irremediabilidade do TPB e gerenciar os riscos associados ao processo de avaliação.

Contexto: Desde sua implementação em junho de 2016, a MAiD no Canadá tem sido objeto de intenso debate ético, particularmente no que diz respeito à sua extensão para pacientes com condições psiquiátricas. Estudos preliminares indicam que pacientes com TPB podem representar até 27% dos solicitantes nesta categoria.

1. Introdução

O Canadá está prestes a se juntar a países como Bélgica, Holanda e Suíça na disponibilização da Assistência Médica à Morte (MAiD) para indivíduos cuja única condição médica subjacente são transtornos mentais. A implementação desta política, prevista para 2027 após sucessivos adiamentos, enfrenta desafios significativos na determinação da irremediabilidade de condições psiquiátricas, particularmente no caso do Transtorno de Personalidade Borderline (TPB).

Dados epidemiológicos sugerem que pacientes com TPB representam uma proporção substancial (até 27%) dos solicitantes de MAiD por condições psiquiátricas, levantando questões críticas sobre capacidade decisória, flutuação sintomatológica e critérios de irreversibilidade. Este artigo propõe uma estrutura baseada em evidências para a avaliação desses casos, adaptando o modelo quadrifásico da Associação Psiquiátrica Holandesa ao contexto canadense.

2. Metodologia: O Modelo Quadrifásico de Avaliação

A abordagem proposta para avaliação e gestão de pedidos de MAiD por pacientes com TPB estrutura-se em quatro fases sequenciais:

  1. Recepção do Pedido: Documentação inicial e triagem da solicitação, com atenção para fatores contextuais imediatos.
  2. Avaliação Diagnóstica: Confirmação do diagnóstico de TPB e avaliação de comorbidades psiquiátricas por especialista qualificado.
  3. Análise Psicossocial: Investigação multidimensional dos determinantes psicológicos, sociais e ambientais subjacentes ao pedido.
  4. Implementação da Decisão: Execução do parecer técnico, seja através da provisão de MAiD ou da oferta de alternativas terapêuticas.

3. Determinantes da Irremediabilidade no TPB

A noção de irremediabilidade no contexto do TPB apresenta desafios conceituais únicos. Dados de follow-up longitudinal indicam taxas de remissão sintomatológica entre 50-70% em períodos de 5-15 anos, sugerindo que a caracterização do transtorno como “irremediável” requer cautela metodológica (Zanarini et al., 2012). Fatores prognósticos positivos incluem:

  • QI superior à média
  • Histórico de funcionamento vocacional adequado
  • Traços de personalidade extrovertidos e cordiais

Em contraste, prognósticos menos favoráveis associam-se a:

  • Alta gravidade e cronicidade sintomatológica
  • Comorbidade psiquiátrica complexa
  • Histórico de adversidades na infância
Nota Clínica: A avaliação da irremediabilidade deve considerar não apenas a resistência a tratamentos prévios, mas também a acessibilidade e adequação das intervenções tentadas, particularmente no que diz respeito a terapias baseadas em evidências como a Terapia Comportamental Dialética (DBT).

4. Desafios Específicos na Avaliação de Pacientes com TPB

  1. Dinâmica Transferencial e Contratransferencial: As reações emocionais intensas características da relação terapêutica com pacientes borderline podem influenciar tanto o pedido de MAiD quanto sua avaliação. Estudos indicam que sentimentos de desesperança do clínico (contratransferência) podem levar à aceitação prematura do pedido (Calati et al., 2021). Uma formulação psicológica cuidadosa é essencial para distinguir entre sofrimento irremediável e crises relacionais temporárias.
  2. Determinantes Sociais do Sofrimento: Fatores como pobreza, isolamento social e falta de acesso a tratamentos especializados frequentemente exacerbam o sofrimento de pacientes com TPB. A avaliação deve distinguir entre a irremediabilidade intrínseca do transtorno e barreiras externas ao cuidado.
  3. Gestão do Risco Suicida: O processo de avaliação da MAiD pode precipitar crises suicidas, particularmente quando o pedido é recusado. Isenberg-Grzeda et al. (2022) identificaram fatores de risco específicos em pacientes com TPB:
    • Histórico de comportamento suicida
    • Desesperança clinicamente significativa
    • Rigidez cognitiva
    • Expectativas irrealistas sobre a elegibilidade

    A continuidade do cuidado e planos de segurança estruturados são componentes essenciais da gestão desses casos.

5. Conclusões e Recomendações Clínicas

A implementação da MAiD para condições psiquiátricas no Canadá exige protocolos específicos para avaliação de pacientes com TPB, considerando:

  1. A natureza flutuante da sintomatologia borderline
  2. Os desafios na determinação da irremediabilidade
  3. Os riscos específicos associados ao processo de avaliação

Recomenda-se:

  • Períodos prolongados de observação (12-24 meses) antes da determinação final de irremediabilidade
  • Avaliação por equipe multidisciplinar especializada em TPB
  • Inclusão sistemática de intervenções baseadas em evidências antes da conclusão sobre resistência ao tratamento
  • Monitoramento contínuo do risco suicida durante todo o processo
Direções Futuras: Pesquisas longitudinais são necessárias para avaliar a eficácia deste modelo e refinar os critérios de irremediabilidade aplicáveis ao TPB. Particular atenção deve ser dada aos resultados em pacientes cujos pedidos são recusados e às estratégias de mitigação de danos nestes casos.
Referências Selecionadas: Calati, R., et al. (2021). Euthanasia and assisted suicide in psychiatric patients: A systematic review. Journal of Psychiatric Research, 135, 153-173. Isenberg-Grzeda, E., et al. (2022). MAiD and mental illness: A case series and review of the literature. Journal of Ethics in Mental Health, 15(1), 1-15. Zanarini, M. C., et al. (2012). Attainment and stability of sustained symptomatic remission and recovery among patients with borderline personality disorder and axis II comparison subjects: A 16-year prospective follow-up study. American Journal of Psychiatry, 169(5), 476-483.

Perguntas Frequentes sobre MAiD e TPB

O que é MAiD? Assistência Médica à Morte é um procedimento que permite a pacientes com condições graves encerrar suas vidas de forma assistida, sob critérios legais rigorosos.

Pacientes com TPB podem solicitar MAiD? A partir de 2027, no Canadá, pacientes com transtornos mentais, incluindo TPB, poderão ser elegíveis, mas com avaliações rigorosas.

Como é avaliada a irremediabilidade no TPB? A avaliação considera a resistência a tratamentos, histórico clínico e fatores sociais, exigindo longos períodos de observação.

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Marcelo Paschoal Pizzut - Psicólogo Especializado em TPB

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