Estabilidade e Distinção do TPB

Estabilidade e Distinção do Transtorno de Personalidade Borderline

Introdução ao Estudo

O transtorno de personalidade borderline (TPB) tem sido objeto de diversos estudos para determinar sua validade diagnóstica e estabilidade ao longo do tempo. O estudo de Barasch, Frances, Hurt, Clarkin, e Cohen (1985) examina a estabilidade diagnóstica do TPB em um acompanhamento de três anos, sua relação com transtornos afetivos e a gravidade do comprometimento funcional. Este estudo visa fornecer evidências adicionais sobre a utilidade do TPB como um construto diagnóstico.

Diagnósticos Iniciais e de Seguimento

Os autores recrutaram 76 pacientes ambulatoriais, com idades entre 18 e 45 anos, do Payne Whitney Clinic em 1979, todos cumprindo os critérios para transtornos de personalidade do eixo II do DSM-III, sem um transtorno do eixo I (por exemplo, transtorno mental orgânico, esquizofrenia, transtorno afetivo maior). Os diagnósticos foram realizados por meio de entrevistas estruturadas, pontuações na Entrevista Diagnóstica para Pacientes Borderline (DIB) e na Escala de Avaliação Global (GAS).

Resultados do Acompanhamento de Três Anos

Dos 30 pacientes que retornaram para as entrevistas de seguimento em 1982, 12 relataram episódios de depressão maior durante o período de três anos. Entre os pacientes inicialmente diagnosticados com TPB, seis ainda cumpriam os critérios do DSM-III, e três outros cumpriam quatro dos critérios necessários. Dos pacientes com outros transtornos de personalidade, 16 mantiveram seus diagnósticos iniciais, um não apresentou nenhum transtorno, e três foram diagnosticados com TPB pela primeira vez.

Estabilidade Diagnóstica e Relação com Transtornos Afetivos

O estudo revelou que um diagnóstico de TPB em 1979 predisse um diagnóstico semelhante em 1982 com uma sensibilidade de 60% e uma especificidade de 85%. Além disso, a presença ou ausência do TPB foi consistente em 77% dos casos, indicando uma estabilidade diagnóstica considerável ao longo dos três anos.

Comparação com Outros Transtornos de Personalidade

Não houve diferença significativa entre os pacientes com TPB e outros transtornos de personalidade nas avaliações da GAS em termos de comprometimento funcional, tanto na entrevista inicial quanto no seguimento. Ambos os grupos apresentaram melhoras após três anos, com as pontuações médias da GAS aumentando de 51,4 para 59,2 nos pacientes com TPB e de 52,8 para 60,2 nos pacientes com outros transtornos de personalidade.

Os dados do estudo desafiam três críticas à utilidade do TPB como um construto diagnóstico:

  • Que o TPB não é uma entidade estável.
  • Que o TPB é melhor visto como uma variante de um transtorno mais válido, como a depressão maior.
  • Que o TPB pode ser um rótulo inespecífico para “transtornos de personalidade severos”.

O TPB, conforme diagnosticado pelo DSM-III, demonstrou considerável estabilidade diagnóstica após três anos. Além disso, a incidência de episódios de depressão maior entre pacientes com TPB não foi maior do que entre aqueles com outros transtornos de personalidade, sugerindo que o TPB não possui uma relação especial com os transtornos afetivos. O estudo conclui que o TPB é distinto de outros transtornos de personalidade, não necessariamente pela gravidade do comprometimento funcional, mas por suas características descritivas.

Análise Detalhada dos Métodos e Resultados do Estudo

Métodos Utilizados no Estudo

O estudo de Barasch et al. (1985) foi conduzido com rigor metodológico para garantir a validade dos resultados. Os 76 pacientes inicialmente recrutados foram selecionados com base nos critérios do DSM-III para transtornos de personalidade do eixo II, excluindo-se aqueles com transtornos do eixo I, como esquizofrenia e transtornos afetivos maiores. Todos os pacientes assinaram um termo de consentimento informado, garantindo a ética do estudo.

As entrevistas iniciais foram conduzidas de forma sistemática e independente, utilizando a Entrevista Diagnóstica para Pacientes Borderline (DIB) e a Escala de Avaliação Global (GAS). Essas ferramentas diagnósticas foram escolhidas por sua confiabilidade e capacidade de discriminar entre diferentes transtornos de personalidade. Em 1982, 30 dos pacientes originais retornaram para uma nova avaliação, que incluiu entrevistas DSM-III, novas pontuações GAS e coleta de histórico adicional. As entrevistas de seguimento foram realizadas por dois avaliadores cegos aos dados originais, assegurando a imparcialidade dos resultados.

Resultados da Estabilidade Diagnóstica

A análise dos resultados revelou uma significativa estabilidade diagnóstica para o TPB ao longo do período de três anos. Dos 10 pacientes diagnosticados com TPB em 1979, seis ainda cumpriam os critérios completos do DSM-III em 1982, e três cumpriam quatro dos oito critérios necessários. Isso demonstra uma sensibilidade de 60% e uma especificidade de 85% para a previsão de um diagnóstico contínuo de TPB, com uma consistência diagnóstica de 77% ao longo dos três anos.

Além disso, dos 20 pacientes inicialmente diagnosticados com outros transtornos de personalidade, 16 mantiveram seus diagnósticos originais, um não apresentou nenhum transtorno, e três foram diagnosticados com TPB pela primeira vez no seguimento. Isso sugere que, enquanto alguns pacientes podem migrar entre diagnósticos de transtornos de personalidade, o TPB mostra uma notável estabilidade.

Relação com Transtornos Afetivos

O estudo também explorou a relação entre TPB e transtornos afetivos, particularmente a depressão maior. Durante o período de três anos, 40% dos pacientes com TPB e 40% dos pacientes com outros transtornos de personalidade relataram episódios de depressão maior. Esta taxa é comparável às encontradas em estudos anteriores, como os de Pope et al. (1983) e Akiskal (1981), que reportaram taxas de 23% e 30%, respectivamente. A paridade nas taxas de depressão maior entre os dois grupos sugere que o TPB não possui uma relação especial com os transtornos afetivos, desafiando a hipótese de que o TPB seja uma variante da depressão maior.

Comparação da Gravidade do Comprometimento Funcional

A gravidade do comprometimento funcional foi avaliada utilizando a Escala de Avaliação Global (GAS). Não houve diferença significativa nas pontuações GAS entre pacientes com TPB e aqueles com outros transtornos de personalidade, tanto na avaliação inicial quanto no seguimento. Ambos os grupos mostraram melhora funcional ao longo dos três anos, com as pontuações médias da GAS aumentando de 51,4 para 59,2 nos pacientes com TPB e de 52,8 para 60,2 nos pacientes com outros transtornos de personalidade.

Este achado contrasta com alguns estudos anteriores que sugeriam que os pacientes com TPB apresentavam comprometimento funcional próximo ao observado em pacientes esquizofrênicos (Gunderson et al., 1975; Pope et al., 1983). Em vez disso, os resultados de Barasch et al. (1985) estão mais alinhados com os achados de McGlashan (1983), que não encontrou diferenças significativas na gravidade do comprometimento funcional entre TPB e outros transtornos de personalidade.

Discussão e Implicações Clínicas

O estudo de Barasch et al. (1985) contribui significativamente para a compreensão do TPB, destacando sua estabilidade diagnóstica, a falta de uma relação especial com transtornos afetivos, e a distinção de outros transtornos de personalidade em termos de características descritivas. Esses achados são fundamentais para guiar futuras pesquisas e práticas clínicas no campo dos transtornos de personalidade.

Impacto dos Resultados no Diagnóstico e Tratamento do Transtorno de Personalidade Borderline

Implicações Diagnósticas

Os resultados do estudo de Barasch et al. (1985) têm implicações significativas para o diagnóstico do transtorno de personalidade borderline (TPB). A estabilidade diagnóstica observada ao longo de três anos sugere que o TPB é um diagnóstico robusto e confiável. Isso é crucial para os clínicos, pois um diagnóstico consistente permite um planejamento de tratamento mais eficaz e uma melhor previsão do curso do transtorno.

A especificidade de 85% indica que, uma vez diagnosticado com TPB, é improvável que o diagnóstico mude para outro transtorno de personalidade, reforçando a necessidade de critérios diagnósticos claros e precisos. A sensibilidade de 60% sugere que, embora alguns pacientes inicialmente diagnosticados com TPB possam não manter todos os critérios ao longo do tempo, uma maioria significativa ainda apresenta traços suficientes para justificar o diagnóstico.

Relação com Transtornos Afetivos

A ausência de uma relação especial entre TPB e transtornos afetivos, como a depressão maior, desafia a hipótese de que o TPB seja simplesmente uma variante da depressão. Embora 40% dos pacientes com TPB tenham apresentado episódios de depressão maior, esta taxa é equivalente à observada em pacientes com outros transtornos de personalidade, sugerindo que a predisposição para depressão é uma característica comum entre diferentes transtornos de personalidade.

Este achado é importante para a prática clínica, pois implica que o tratamento do TPB deve abordar mais do que apenas os sintomas depressivos. Estratégias terapêuticas específicas para o TPB, que considerem suas características únicas, são essenciais para uma intervenção eficaz. A terapia dialética comportamental (DBT) e outras abordagens psicoterapêuticas adaptadas ao TPB podem oferecer benefícios significativos além do tratamento convencional da depressão.

Comparação com Outros Transtornos de Personalidade

A comparação entre TPB e outros transtornos de personalidade em termos de comprometimento funcional fornece insights adicionais sobre a natureza do TPB. A descoberta de que pacientes com TPB não são significativamente mais funcionalmente comprometidos do que aqueles com outros transtornos de personalidade sugere que o TPB não é necessariamente mais grave em termos de impacto funcional.

Isso desafia a visão de que o TPB é um rótulo para os casos mais severos de transtornos de personalidade. Em vez disso, o TPB deve ser visto como uma categoria diagnóstica distinta, caracterizada por uma combinação única de sintomas emocionais, comportamentais e interpessoais. Essa distinção é vital para o desenvolvimento de programas de tratamento personalizados que abordem as necessidades específicas dos pacientes com TPB.

Considerações para a Pesquisa Futura

O estudo de Barasch et al. (1985) também destaca áreas importantes para a pesquisa futura. A estabilidade diagnóstica observada ao longo de três anos é encorajadora, mas estudos de acompanhamento a longo prazo são necessários para confirmar se essa estabilidade persiste ao longo de décadas. Pesquisas adicionais também são necessárias para explorar os fatores que contribuem para a manutenção ou mudança do diagnóstico de TPB ao longo do tempo.

Além disso, a relação entre TPB e outros transtornos de personalidade merece investigação adicional. Estudos futuros poderiam examinar a coocorrência de TPB com outros transtornos de personalidade e identificar os fatores que distinguem o TPB de condições relacionadas, como o transtorno de personalidade esquizotípica.

Abordagens Terapêuticas e Intervenções

O estudo de Barasch et al. (1985) fornece evidências convincentes de que o TPB é um diagnóstico estável e distinto, que não deve ser reduzido a uma variante da depressão maior ou a um rótulo inespecífico para transtornos de personalidade graves. A estabilidade diagnóstica e a relação com outros transtornos de personalidade e afetivos destacam a necessidade de abordagens diagnósticas e terapêuticas específicas para o TPB.

Essas descobertas são fundamentais para guiar a prática clínica e a pesquisa futura, enfatizando a importância de um diagnóstico preciso e de tratamentos adaptados que abordem as complexas necessidades dos pacientes com TPB. A continuidade na pesquisa e no desenvolvimento de intervenções terapêuticas inovadoras é essencial para melhorar os resultados para os indivíduos afetados por este transtorno desafiante.

Reflexões sobre a Aplicação Clínica e Desafios no Tratamento do TPB

Relevância Clínica dos Resultados

Os achados de Barasch et al. (1985) têm grande relevância para a prática clínica, especialmente no que diz respeito ao diagnóstico e tratamento do transtorno de personalidade borderline (TPB). A estabilidade diagnóstica observada ao longo de três anos reforça a importância de um diagnóstico inicial preciso, que pode orientar intervenções terapêuticas apropriadas e melhorar os resultados a longo prazo para os pacientes.

Os profissionais de saúde mental devem estar atentos às características específicas do TPB, que incluem padrões de instabilidade nas relações interpessoais, autoimagem e afetos, além de uma marcada impulsividade. Esses critérios diagnósticos, conforme delineados pelo DSM-III e validados por este estudo, fornecem uma base sólida para a identificação do TPB.

Abordagens Terapêuticas Baseadas em Evidências

A evidência de que o TPB é um diagnóstico estável e distinto sublinha a necessidade de abordagens terapêuticas baseadas em evidências. A Terapia Dialética Comportamental (DBT), desenvolvida por Marsha Linehan, tem se mostrado especialmente eficaz no tratamento do TPB. A DBT combina técnicas de terapia cognitivo-comportamental (TCC) com conceitos de aceitação e mindfulness, ajudando os pacientes a gerenciar emoções intensas e comportamentos autodestrutivos.

Além da DBT, outras abordagens terapêuticas têm demonstrado eficácia no tratamento do TPB. A Terapia Baseada em Mentalização (MBT) foca na capacidade dos pacientes de entender e interpretar seus próprios estados mentais e os dos outros, promovendo uma maior estabilidade emocional e funcional. A Terapia Focada no Esquema (SFT), por sua vez, integra elementos de TCC, teoria do apego e gestalt, visando modificar padrões de pensamento e comportamento disfuncionais.

Desafios no Tratamento

Apesar dos avanços nas abordagens terapêuticas, o tratamento do TPB ainda apresenta desafios significativos. A alta taxa de comorbidade com outros transtornos de personalidade e transtornos afetivos pode complicar o diagnóstico e o tratamento. Os pacientes com TPB frequentemente apresentam sintomas que se sobrepõem com os de outros transtornos, tornando a identificação de um plano de tratamento claro mais complexa.

Outro desafio é o manejo do risco de suicídio e comportamento autolesivo, que são comuns em pacientes com TPB. Os clínicos devem estar preparados para implementar estratégias de manejo de crise e fornecer suporte contínuo para prevenir esses comportamentos. O desenvolvimento de um plano de segurança e a construção de uma rede de apoio são componentes essenciais do tratamento.

Impacto no Funcionamento Social e Ocupacional

Os pacientes com TPB frequentemente enfrentam dificuldades significativas em suas vidas sociais e ocupacionais. A instabilidade nas relações interpessoais pode levar a conflitos frequentes, isolamento social e dificuldades em manter um emprego estável. A abordagem terapêutica deve, portanto, incluir intervenções focadas em habilidades sociais e de resolução de problemas.

Programas de reabilitação psicossocial podem ser benéficos para ajudar os pacientes a desenvolver habilidades funcionais e aumentar sua independência. Esses programas podem incluir treinamento em habilidades sociais, suporte educacional e vocacional, e atividades recreativas que promovam a integração social.

A Importância do Suporte Social

O suporte social desempenha um papel crucial no tratamento e recuperação dos pacientes com TPB. A presença de uma rede de apoio composta por familiares, amigos e profissionais de saúde pode fornecer uma base estável e segura para os pacientes enfrentarem seus desafios. Grupos de apoio para pacientes e familiares também podem ser uma fonte valiosa de encorajamento e compreensão.

Os terapeutas devem trabalhar com os pacientes para identificar e fortalecer suas redes de suporte social. Isso pode incluir a mediação de conflitos familiares, o incentivo à participação em grupos comunitários e a promoção de atividades que facilitem a formação de novas conexões sociais.

Considerações Finais

Além disso, a disseminação de abordagens terapêuticas baseadas em evidências, como a DBT, MBT e SFT, é crucial para melhorar os resultados do tratamento. Ao mesmo tempo, os desafios no manejo do risco de suicídio e na melhoria do funcionamento social e ocupacional requerem atenção contínua e abordagem multifacetada.

Referências

  • Gunderson JG, KoIb JE: Discriminating features of borderline patients. Am J Psychiatry 135:792-796, 1978
  • Pope HG, Jonas JM, Hudson JL, et al: The validity of DSM-III borderline personality disorder. Arch Gen Psychiatry 40:23-30, 1983
  • McGlashan TH: The borderline syndrome, I: testing three diagnostic systems; II: is it a variant of schizophrenia or affective disorder? Arch Gen Psychiatry 40:1311-1323, 1983
  • Gunderson JG, Carpenter WT Jr, Strauss JS: Borderline and schizophrenic patients: a comparative study. Am J Psychiatry 132:1257-1264, 1975
  • Akiskal HS: Subaffective disorders: dysthymic, cyclothymic, and bipolar II disorders in the borderline realm. Psychiatr Clin North Am 4:24-45, 1981
  • Carroll BJ, Greden JF, Feinberg M, et al: Neuroendocrine evaluation of depression in borderline patients. Psychiatr Clin North Am 4:89-99, 1981
  • Spitzer RL, Endicott J, Gibbon M: Crossing the border into borderline personality and borderline schizophrenia: the development of criteria. Arch Gen Psychiatry 36:17-24, 1979
  • Frances A, Clarkin JF, Gilmore M, et al: Reliability of criteria for borderline personality disorder: a comparison of DSM-III and the Diagnostic Interview for Borderline Patients. Am J Psychiatry 141:1080-1084, 1984
  • Gunderson JG, Kolb JE, Austin V: The diagnostic interview for borderline patients. Am J Psychiatry 138:896-903, 1981
  • Spitzer RL, Gibbon M, Endicott J: Global Assessment Scale. New York, New York State Department of Mental Hygiene, 1973

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