Sou um Louco em Desconstrução
Sempre houve uma simpatia minha pela cor azul, não só porque fazia meus olhos brilharem em harmonia com as camisetas que escolhia, mas também porque ela pulsava no ritmo do meu coração junto ao meu time de futebol favorito. Contudo, um turbilhão de revelações me fez navegar por um oceano mais tumultuado, onde o azul deu espaço ao amarelo vibrante. Esse novo matiz não só capturou minha atenção, mas também refletiu uma transformação profunda dentro de mim, alimentada por confrontos com minha própria ignorância, comodismo, e as sombras de um legado humano que se esconde sob o manto da evolução.
A metamorfose começou quando me deparei com “AmarElo – É Tudo Pra Ontem”, uma obra-prima de Emicida que não só assassinou minhas pretensões desprovidas de preconceito, mas também me desarmou com sua crítica social, racial e sua sensibilidade artística. Esse documentário, um mosaico de consciência e empatia, alvejou a fortaleza do meu egocentrismo com balas de amor e verdade. Sócrates e Emicida, em uníssono, me ensinaram que, de fato, sei que nada sei.
Em minha jornada, fui confrontado com a tecnologia e seus paradoxos, transtornos mentais que desafiam nossa compreensão, a efemeridade das relações na vida líquida, e a dança perigosa com drogas e a ideia do suicídio. Amores passaram por mim como cometas, deixando rastros de luz e sombras de desilusão. Mas foi na aceitação e no acolhimento da minha própria loucura que encontrei um terreno firme.
Encarar a realidade de que todos somos uma mistura complexa de luz e escuridão me permitiu ver além das diferenças superficiais. Na imensidão do meu próprio abismo, encontrei não a loucura como um inimigo, mas como um companheiro de viagem, um convite para explorar a profundidade da existência com coragem e honestidade.
Louco, psicodélico, brutal – sim, sou tudo isso e mais. Como um filme que se desenrola em ritmos imprevisíveis, minha vida se tornou uma tapeçaria de experiências, cada uma mais enriquecedora que a anterior. “AmarElo – É Tudo Pra Ontem” não é apenas uma obra de arte para ser vista; é um espelho que reflete a urgência de transcendermos o preconceito, de nos reconectarmos com a humanidade e, sobretudo, de aceitarmos a beleza intrínseca de nossas idiossincrasias.
Neste processo de desconstrução, aprendi que a loucura não é um desvio a ser corrigido, mas uma dimensão a ser explorada. É nesse espaço vibrante de amarelo que descobri a liberdade de ser verdadeiramente eu, um louco em desconstrução, pronto para pintar o mundo com as cores da compreensão, da aceitação e do amor incondicional. Este não é apenas o meu filme; é o filme de todos nós, um convite para dançar na chuva, rir na tempestade e, acima de tudo, viver cada momento com a intensidade de quem encontrou paz na própria tempestade interna.
Na vastidão desse quadro amarelo, eu me deparo com a tela da minha própria psique, um território vasto e profundamente inexplorado, reminiscente das teorias de Freud e Jung, onde o id, ego e superego disputam o pincel para pintar a essência da minha existência. Meu eu, uma galeria de arte onde cada obra reflete uma batalha, um amor, uma perda, tornou-se o cenário para uma profunda análise psicanalítica de mim mesmo. O processo é menos uma escavação arqueológica em busca de artefatos antigos e mais uma viagem ao espaço, explorando novas galáxias de entendimento dentro do meu próprio universo mental.
A desconstrução, então, se assemelha ao trabalho do alquimista, transformando chumbo em ouro, ou neste caso, transformando a loucura percebida em um entendimento mais profundo de si mesmo. A jornada psicanalítica revela que o monstro debaixo da cama, a loucura que tanto tememos, é na verdade feito de sombras; sombras essas que, quando iluminadas, perdem seu poder de assustar. A “loucura” torna-se uma série de narrativas entrelaçadas, cujas raízes se enterram profundamente no solo fértil do inconsciente coletivo.
Usando metáforas como mapas, navego por este terreno interior, onde cada descoberta psicanalítica se torna um marco na jornada. A “vida líquida”, por exemplo, se transforma no rio de Heraclito, onde não se pode entrar duas vezes no mesmo fluxo. Neste rio, os destroços do ego flutuam ao sabor das correntes, desafiando a tentativa de permanecer intacto ante às rápidas mudanças do mundo exterior e interior. As drogas, o amor, o suicídio – todos são afluentes desse rio, contribuindo para sua correnteza turbulenta, mas também para sua profunda beleza e complexidade.
A aceitação da própria loucura, então, é como construir uma ponte sobre esse rio. Uma ponte não para escapar, mas para conectar dois mundos: o da razão e o da emoção, o consciente e o inconsciente. É reconhecer que o monstro sob a cama, a sombra no espelho, é apenas uma parte de nós, desejando ser entendida, amada, integrada.
Nessa integração, encontro o verdadeiro significado do amarelo – não como a cor da loucura, mas como a luz da lucidez, da criatividade, da coragem de enfrentar o desconhecido. O amarelo se torna a chama da vela que ilumina as profundezas da caverna da alma, onde os tesouros mais valiosos estão escondidos. Esse processo de desconstrução e reconstrução, mediado pela psicanálise e pelas metáforas da vida, não é o fim, mas o início de uma nova maneira de ser no mundo – uma maneira que abraça toda a gama da experiência humana com um coração aberto e uma mente curiosa.
Nesse sentido, ser um “louco em desconstrução” é, paradoxalmente, o caminho para a sanidade mais profunda, uma jornada de volta para casa, onde “casa” é um lugar dentro de nós mesmos, rico com todas as cores do espectro humano, iluminado pelo amarelo vibrante do autoconhecimento, da aceitação e do amor.
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