Abuso de Substâncias

Abuso de Substâncias em Pacientes com TPB: Uma Revisão

Introdução

O Transtorno de Personalidade Borderline (TPB) é um transtorno psiquiátrico grave que se caracteriza pela instabilidade emocional, impulsividade, medo intenso de abandono e padrões de relacionamentos interpessoais perturbados. Comum em até 2% da população geral, essa condição psicológica também está associada a altas taxas de comorbidade com o abuso de substâncias, com alguns estudos sugerindo que até metade dos pacientes com TPB podem ter um Transtorno por Uso de Substâncias (TUS) concomitante.

Abuso de Substâncias e TPB

Os indivíduos diagnosticados com Transtorno de Personalidade Borderline (TPB) demonstram, frequentemente, uma propensão notável ao abuso de substâncias, que pode ser explicada, em parte, pela vulnerabilidade intrínseca decorrente da impulsividade característica e da instabilidade emocional que são marcas registradas do TPB.

A impulsividade, um traço saliente do TPB, pode propiciar uma propensão ao uso excessivo de substâncias, já que esses indivíduos muitas vezes lutam com a autoregulação e podem recorrer ao uso de substâncias como uma forma precipitada de enfrentar sentimentos de vazio, tédio ou angústia. A instabilidade emocional, que se traduz em mudanças de humor rápidas e intensas, também pode deixar os indivíduos com TPB mais vulneráveis a recorrer ao abuso de substâncias como forma de auto-medicação, numa tentativa de controlar ou amortecer suas experiências emocionais intensas e muitas vezes dolorosas.

Neste sentido, o abuso de substâncias pode ser visto como uma tentativa de autogestão ou auto-medicação para lidar com a angústia emocional intensa e incontrolável associada ao TPB. As drogas ou o álcool podem ser usados como uma maneira de fugir ou aliviar os sentimentos de desespero, auto-ódio, raiva ou medo que podem ser comuns em indivíduos com esse transtorno.

No entanto, esta solução aparentemente autocompensatória pode, na verdade, ter efeitos prejudiciais e até catastróficos. O abuso de substâncias tende a exacerbar os sintomas do TPB, intensificando a instabilidade emocional, a impulsividade e o comportamento autodestrutivo. Além disso, o uso contínuo de substâncias pode aumentar significativamente o risco de comportamento suicida entre esses pacientes, já que tanto o TPB como o abuso de substâncias são associados a um maior risco de tentativas de suicídio e de suicídio consumado.

Além disso, o abuso de substâncias pode prejudicar a adesão ao tratamento, pois pode comprometer a capacidade do indivíduo de se engajar plenamente na terapia, seguir recomendações de tratamento e aproveitar os benefícios das intervenções terapêuticas. Isso pode resultar em recaídas mais frequentes, hospitalizações mais longas e uma recuperação mais difícil e prolongada.

O abuso de substâncias em pessoas com TPB pode agravar os resultados globais, incluindo a funcionalidade social e ocupacional, a qualidade de vida, a saúde física e a longevidade. Portanto, é crucial que os prestadores de cuidados de saúde reconheçam e tratem de forma adequada a comorbidade do abuso de substâncias em pacientes com TPB.

Tratamento Conjunto

A alta prevalência de abuso de substâncias entre pacientes diagnosticados com Transtorno de Personalidade Borderline (TPB) evidencia uma necessidade premente de uma abordagem de tratamento que aborde ambas as condições simultaneamente. Esta necessidade deriva do reconhecimento de que ambas as condições, quando co-ocorrem, podem potencializar uma à outra, aumentando a gravidade dos sintomas, a cronicidade da doença e os desafios de tratamento.

As intervenções de tratamento para esta comorbidade complexa devem atender a uma série de objetivos interligados. Primeiro e acima de tudo, as estratégias de tratamento devem se concentrar na redução do uso de substâncias, pois a continuação do abuso de substâncias pode minar qualquer progresso no tratamento dos sintomas do TPB. Isso pode envolver terapias de substituição, técnicas de manejo de abstinência, aconselhamento e suporte para evitar recaídas, entre outras estratégias.

Além disso, as intervenções devem também abordar o manejo dos sintomas do TPB. Isso pode envolver ajudar os pacientes a desenvolver habilidades de regulação emocional, aumentar a tolerância à angústia, melhorar a eficácia interpessoal e aprimorar o autoconhecimento e a autocompreensão. Além disso, o tratamento deve ajudar os pacientes a lidar com traumas passados que podem estar contribuindo para sua instabilidade emocional e comportamento impulsivo.

Nesse contexto, as Terapias Comportamentais Cognitivas têm se mostrado promissoras no tratamento do TPB e podem ser particularmente úteis no manejo da comorbidade com o Transtorno por Uso de Substâncias (TUS). Entre elas, a Terapia Dialética Comportamental (DBT) tem demonstrado eficácia na redução da automutilação, comportamentos suicidas e uso de substâncias em pacientes com TPB. A DBT combina elementos de terapia cognitiva com técnicas de mindfulness, aceitação e tolerância à angústia, e tem uma componente específica focada no tratamento do abuso de substâncias.

Outra abordagem potencialmente eficaz é a Terapia Comportamental Baseada em Mentalização (MBT). Esta terapia foca em ajudar os indivíduos a entender e interpretar o comportamento próprio e dos outros em termos de estados mentais subjacentes, como pensamentos, sentimentos e desejos. Essa capacidade, conhecida como mentalização, é muitas vezes prejudicada em pessoas com TPB. A MBT pode ajudar a melhorar a regulação emocional, a estabilidade de relacionamentos e a auto-imagem, todos os aspectos que podem ser particularmente úteis para aqueles que também lutam com o abuso de substâncias.

Portanto, a abordagem de tratamento para pacientes com TPB e abuso de substâncias deve ser abrangente, personalizada e flexível, tendo em vista a complexidade dessa comorbidade. A combinação de tratamentos focados no TPB com estratégias de tratamento para o abuso de substâncias pode proporcionar uma rota mais eficaz para a recuperação e a melhoria do funcionamento geral. Com um compromisso contínuo com o tratamento, é possível para os indivíduos com esta dupla problemática alcançar uma melhora significativa em sua qualidade de vida, bem-estar emocional e estabilidade.

Dada a alta prevalência de abuso de substâncias entre aqueles com TPB, é essencial que os profissionais de saúde mental estejam preparados para identificar e tratar adequadamente essa comorbidade. Além disso, são necessárias mais pesquisas para entender melhor os mecanismos subjacentes a essa relação e desenvolver intervenções ainda mais eficazes.

O abuso de substâncias em pacientes com TPB é um desafio clínico sério que requer uma abordagem de tratamento integrada e holística. No entanto, com a estratégia de tratamento adequada e o compromisso com a recuperação, é possível melhorar significativamente os resultados e a qualidade de vida desses pacientes.

Conclusão

O abuso de substâncias é comum em pacientes com Transtorno de Personalidade Borderline e pode agravar o curso clínico da doença. A compreensão da relação complexa entre TPB e abuso de substâncias é crucial para o desenvolvimento de estratégias eficazes de intervenção. Mais pesquisas são necessárias para entender melhor os mecanismos subjacentes à comorbidade do TPB e do TUS e para desenvolver tratamentos mais eficazes para essa população vulnerável.

Referências:

  1. Linehan, M. M. (1993). Cognitive-behavioral treatment of borderline personality disorder. Guilford Press.

  2. Bateman, A., & Fonagy, P. (2004). Mentalization-based treatment of BPD. Journal of Personality Disorders, 18(1), 36-51.

  3. Trull, T. J., Sher, K. J., Minks-Brown, C., Durbin, J., & Burr, R. (2000). Borderline personality disorder and substance use disorders: a review and integration. Clinical Psychology Review, 20(2), 235-253.

  4. Torrens, M., Martínez-Sanvisens, D., Martínez-Riera, R., Bulbena, A., & Szerman, N. (2011). Dual diagnosis: focusing on depression and recommendations for treatment. Addictive Disorders & Their Treatment, 10(2), 50-59.

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Marcelo Paschoal Pizzut
Psicólogo Clínico

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